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Jul
Nos últimos dias 15 e 16 de julho aconteceu na cidade de Adis Abeba, Etiópia, a 19ª Cúpula da União Africana. O evento, que contou com a presença de chefes de Estado da maioria dos países do continente, teve como tema o aumento do comércio intra-africano e foi marcado pela eleição da sul-africana, Nkosazana Dlamini Zuma, para a presidência da mais importante entidade diplomática do continente.
A União Africana foi criada em 2002, em substituição à Organização da Unidade Africana (OUA), fundada em 1963, por líderes como o ganense Kwame Nkrumah, o egípcio Gamal Nasser e o etíope Haile Selassie, buscando a união dos países africanos frente ao neocolonialismo e visando à criação de uma federação continental.
A versão atual da entidade busca preservar a ideia original, porém se debruça em questões mais pragmáticas, como comércio e segurança, mantendo, por exemplo, uma operação de “paz e segurança”, semelhante à da Organização das Nações Unidas (ONU), que intervém em casos emergenciais de conflitos e guerras civis. A União Africana é a mais importante instituição diplomática do continente.
Apesar do tema dessa edição ter sido a cooperação econômica, o destaque do evento foi a eleição da nova direção do órgão que vinha se prolongando com meses de negociações entre dois blocos distintos, dos países anglófonos e o dos francófonos. Até o evento dessa semana, um cidadão do Gabão, país de língua francesa, dirigia a instituição. Jean Ping, que já foi ministro das relações exteriores do Gabão, estava no cargo desde 2008 e disputou a liderança da entidade com a sul-africana, Nkosazana Dlamini Zuma, que saiu vitoriosa da eleição, sendo a primeira mulher a assumir a gestão da União Africana.
A sul-africana Nkosazana Dlamini Zuma é médica de formação, foi ministra da saúde de 1994 a 1998 no governo de Nelson Mandela – sendo a primeira gestora de saúde no pós apartheid – além de ter servido como ministra das Relações Exteriores nos governos de Thabo Mbeki e Kgalema Molanthe. Zuma é também uma militante histórica da luta contra o apartheid e ex-esposa do atual presidente da África do Sul, Jacob Zuma.
Os desafios da nova dirigente não serão poucos. O continente enfrenta uma nova onda de conflitos e golpes de Estado, como o caso do Mali, onde rebeldes estão destruindo locais históricos como a Universidade de Timbuktu – a primeira cidade universitária do mundo – e na República Democrática do Congo onde a União Africana planeja enviar tropas para resolver o conflito com rebeldes na província Kivu Norte. Além disso, é preciso encerrar a disputa entre o Sudão e o Sudão do Sul e a situação da Somália, que conta com operações terroristas do grupo Al-Shabaab, no sul do país.
A nova dirigente terá também que usar, ainda mais, suas habilidades diplomáticas para construir novas alianças. Nem todos ficaram contentes com a eleição de uma sul-africana para dirigir a entidade que, até então, tinha um acordo informal de sempre eleger dirigentes de países sem muita expressão na política internacional. Apesar do principal cargo da União Africana, na teoria, representar os interesses de todos os países membros, na prática a função traz bastante visibilidade para a nação de origem do dirigente. A queixa, portanto, é que a África do Sul, sendo a maior potência do continente, e um membro do bloco dos países emergentes, estaria querendo acumular ainda mais poder e influência sobre as outras economias da região.
Porém, para além das disputas por hegemonia entre os membros da União Africana, a eleição de Zuma ressaltou a questão de gênero, que tem sido cada vez mais pautada na política Africana. Em 2005, a presidente da Libéria, Ellen Jonhson Sirlef, também fez história sendo a primeira mulher a presidir uma nação africana. Atualmente, o continente tem duas representantes, a presidente Ellen, que se reelegeu em 2011, e a presidente do Malauí, Joyce Banda, que assumiu o cargo após o falecimento do presidente Binguwa Mutharika, em abril deste ano. Banda era a vice-presidente e sua sucessora natural para o cargo.
Desafios
A União Africana busca se resignificar e realizar projetos efetivos para a integração do continente. Um exemplo disso é a Universidade Panafricana, que visa criar uma rede de centros de excelência em ciência e tecnologia para reduzir a chamada “fuga de cérebros” do continente. Outra iniciativa importante é a Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD), que apesar de lançada em 2001 ainda não teve a efetivação necessária para melhorar os indicadores de boa governança e promover o desenvolvimento sustentável do continente.
A entidade vive também um momento muito importante do ponto de vista das suas relações estratégicas. A inauguração, em janeiro desse ano, da sua nova e moderna sede de 200 milhões de dólares, construída e doada pelo governo chinês é um indicador dessa mudança.
Com a crise econômica da Europa e Estados Unidos, e a consolidação da liderança dos BRICS, o continente vem criando alianças com novos parceiros como China e Índia, que vêm investindo recursos significativos na criação de infraestrutura e no aumento de novas parcerias comerciais. No ano passado o comércio entre China e África atingiu a casa de 150 bilhões de dólares.
Alguns argumentam que essa relação com os novos atores emergentes pode ser considerada perigosa, por não levar em conta a transferência de tecnologia, sobretudo no caso chinês, e por não alterar o quadro político da região que em sua maioria é baseado em governos autoritários e que violam direitos humanos. Porém, a influência dos BRICS na atual política africana acena com o fim da tradicional política do ocidente baseada no assistencialismo e nas regras, consideradas arrogantes, de instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Em contraposição ao “Consenso de Washington”, pesquisadores já argumentam que alguns países africanos estão seguindo o “Consenso de Beijing”, sobretudo nações com maior influência direta chinesa e que possuem uma relação conflituosa com o Ocidente, como Sudão e Zimbabué. Ao diversificar parcerias, os africanos podem barganhar mais nas negociações, o que é novo no contexto africano que sofreu décadas de colonização e que na Guerra Fria só tinha como opção realizar parceira com os EUA ou a URSS. Nos últimos cinco anos, somente a Índia e China doaram, e emprestaram, mais recursos para o continente africano do que o Banco Mundial e FMI em uma década.
No caso brasileiro, um dos BRICS, a avaliação de especialistas é que ainda há muito o que se avançar, pois a política do Brasil ainda está mais focada na cooperação com países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e que não se compara aos investimentos feitos por chineses e indianos. Apesar disso, é evidente que houve um aumento do número de postos diplomáticos no continente africano durante a gestão do presidente Lula e o estabelecimento de cooperações, como o escritório da Embrapa em Gana e a fábrica de remédios para o tratamento da AIDS em Moçambique, com a Fundação Oswaldo Cruz, a ser inaugurada agora em julho, em Maputo.
No que diz respeito à sua diáspora, a União Africana tem buscado estratégias para o envolvimento de africanos que vivem no exterior, a nova diáspora, e aqueles que saíram do continente durante o processo de escravidão e estão espalhados pelas Américas. Somente na América Latina são 150 milhões de afrodescendentes.
Por isso, a ideia da entidade é consolidar uma sexta região para que essas populações possam contribuir com o desenvolvimento africano por meio investimento, pesquisas e turismo. Em junho do próximo ano, um encontro em Johanesburgo visa reunir representantes da diáspora africana para acelerar o processo de integração política, cultural e econômica do continente africano.
Do sonho de líderes pan-africanistas até um sistema diplomático complexo, a União Africana segue com suas contradições e desafios. A expectativa, entretanto, é que essa unidade possa trazer benefícios como os que a União Europeia trouxe para o continente europeu, que conseguiu pacificar o continente, construir uma moeda sólida e se posicionar como bloco nas negociações internacionais. A ideia da unidade dos países africanos, que precede o caso Europeu, tem grandes chances de se tornar realidade, melhorando a governança e representando os interesses dos povos africanos no continente, e na diáspora.
Paulo Rogerio Nunes, de Adis Abeba, Etiópia. Contribuição voluntária para o jornal A Tarde.